quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Diário

O tempo parece que parou de passar. Parece e ainda assim perdem-se semanas, meses e anos de vista achando que aquele filme de 2010 estreou há uns dois ou três anos atrás. É meio que sentir na pele aquela coisa de que o tempo e o espaço são apenas ilusão. Mas só com o tempo. Ao mesmo tempo que vai indo embora sem a gente ver, parece tudo um grande mais do mesmo. Tanto que começa a nem parecer que é mais um "mesmo" quando ele acontece. De novo e de novo e de novo.

São 2019.

Dois mil e dezenove anos que um garoto cabeludo com sintomas de muito pretensioso ou muito desprendido veio à terra para nos dizer que o ano estava errado. "É galera, deu pau. Vou ter que resetar isso ai". Dito e feito. Só faltava agora conquistar boa parte do mundo e contar pra geral o que foi que o cabeludo andou dizendo. E hoje a velhinha da praça faz sinal da cruz quando vê o metaleiro cabeludo passando.

Cruz credo.

Um horário perdido, um plano que não deu certo, uma amizade perdida, uma nova volta no quarteirão em busca do sonho pelo qual disseram que todos têm que lutar. Assim como as unidades de tempo vão indo de uma em uma, até não dar mais pra contar. E não da. Mas sempre nos afeta. Me pergunto se as pessoas conseguem legitimamente ter sonhos espontâneos ou se é algum tipo de auto convencimento inconsciente que acontece em algum momento. E se não é tudo assim. Porque a verdade que tenho visto é que o quarteirão sempre da de volta na minha casa. Não sei bem qual é essa sensação de ter um sonho.

Me divertia, quando criança e um pouco depois, a ideia de ser taxista, ator, escritor, marinheiro, cantor, X-Men, bruxo e guerreiro medieval. Ainda falta virar X-Men, cantor, escritor e marinheiro. Dos que já virei, Uber paga pouco, ator não paga e guerreiro e bruxo sugam demasiado tempo e dinheiro se não controlarmos os impulsos no mundo virtual. Mas, de longe, foram minhas profissões mais plenamente satisfatórias.

Um sonho me parece algo bobo. Mas o que importa como me parecem as coisas? Sonhar talvez seja a resposta, afinal.

Será que daqui a dois mil anos haverá igrejas para louvar o messias Inri Cristo? Teria sido Jesus um empreendedor?

Tenho trinta anos há mais de três meses agora e continuo esperando o insight, a realização, o cair da ficha. Nada até agora. Parece que não vem. Sinto pequenas mudanças de julgamento nos anos que antecederam e que ainda continuam acontecendo, mas nada pontual ou marcante. Um tio muito querido morreu de câncer no ano passado. Agressivo e implacável. O que quer que se fizesse só piorava. Em um ano chegou e se foi e a mão ficou gelada na minha e não entendi. Dura. Minutos antes havia alguém preenchendo e gerando eletricidade, calor, movimento, afeto, esperança, risadas altas de puxar o coro no teatro e aversão a fofoca naquele objeto em processo de desligamento, lembrança de alguém que já existiu exposta ali.

Crianças entendem a morte? Crianças sonham, isso eu sei que sim. Acho que crianças entendem a morte. Não entendo ainda. Quanto mais penso e tento entender mais distante me parece essa morte que todos dizem. A mim a Morte parece boba como o Sonho. Ninguém morreu. Ninguém morre. Quando dizemos que morreu não tem ninguém ali. Ninguém está lá para executar a ação de morrer, portanto, não existe. Existe a pessoa viva. E ai ela não existe. E no meio disso talvez tenha um breve momento em que ela vai suavizando a sua existência. Seu ser vai sendo menos, menos até que não é. Parar não para. Só não é, já que quando não é não tem mais ninguém ali para parar de ser.

As pessoas não morrem. As pessoas suavizam. Lentamente desexistem. Emitem as últimas correntes elétricas e esboços de pensamento e consciência que já não transbordam. É um ato de instrospecção, de sentir os últimos estímulos do ambiente e das pessoas ao seu redor, cada vez mais suaves, cada vez mais duradouros. Os sentidos ganham mais distância do entorno para a consciência saborear mais, sentir com menos intensidade e por mais tempo, e mais tempo. Quem sabe tendendo ao infinito. E o que foi se apagando conserva uma onda infinita, suave e plena tudo aquilo que se sentiu.

Quem sabe não seja, afinal, muito mais pacífico e pleno - e simples - do que aquele tribunal superior de moral e ética que dizem nos esperar para o acerto final de contas.

Não é por menos que ligar para alguém hoje em dia é um ato profundamente invasivo. Escrever deixa tudo tão mais certo.