quarta-feira, 27 de março de 2019

Geração Why

Mimada, criada na ideologia do "faça o que vc ama e não terá que trabalhar um só dia", do "sua merda cheira rosas, vc é ótimo, vc merece" e do "arrisque! Vc não tem nada a perder!". Criada também no meio de uma infância e adolescência de prosperidade econômica seguida de uma crise profunda e longa que, em 2019, ainda não acabou.

Bem vindos à geração perdida! Os próprios pais, que já cansaram de apanhar da vida, foram rapidamente rendidos por seus subconscientes e, mais do que depressa, muniram-se de inúmeros argumentos para justificar seus métodos woodstockianos de criar os filhos. Reuniram todos em torno da ciência - a nova religião do século XXI, antes empírica, agora opinativa e simplificada até ter o sentido original modificado ou extinto para fácil assimilação em casos de twitter, argumento político ou coaching - e voilà!: surge a famosíssima "Geração Mimimi", baixada diretame da boa e velha ciência social e livremente interpretada e editada por aqueles que seguem tratando questões de divã com um delírio bipolar entre a ciência e a cientologia.

Há excessões entre os mimimis, é verdade. Afinal, nem só de merda se faz o esgoto. Vez ou outra cai um brinco de ouro puro em um ralo aqui ou acolá. Eu, outro merda em meio a uma maioria, tento entender como é que se faz para pegar o trêm em movimento dos idolatrados Millenials, amamentados enquanto jogavam Fruit Ninja, baixavam Minecraft em 3 plataformas diferentes, assistiam Galinha Pintadinha online, assobiavam, chupavam cana e giravam um Fidget Spinner.

Pois vamos aos fatos.

Conhecemos o mundo em um momento maravilhoso e cheio de oportunidades que se deu entre dois períodos de crise profunda, um verdadeiro oásis; nossos pais viveram o fim da guerra fria, o rock, o disco, o movimento hippie, aids, a ditadura militar, a redemocratização e o governo Collor (alguém imagina um grande número de mentes organizadas para instruir filhos saindo daí? Eu não. Não muitas); crescemos sem conhecer o celular e, de repente, ele surge e fica mais indispensável a cada semestre; sem internet e de repente ela deixa de ser discada e de ser opcional, além de invadir as casas até virar item de uso individual.

Em plena adolescência, subitamente tecnologia e crise sublimam o mundo lento e farto que aprendemos a girar e nos atira sem resiliência, sem experiência, sem parâmetros, sem dimensão da mudança sem precedentes que estava em curso e com muitos hormônios e ideias de grandeza e prosperidade.

Se alguém achou que não ia dar merda, errou. Errou e errou feio. Então querem chamar de geração mimimi? Be my guest. Mas não ache que sabe mais sobre vestir os meus sapatos do que eu. Se quer que respeitem os sapatos que te jogaram e vc teve que aprender a usar, aprenda a respeitar os dos outros.

Agora aos meus.

O mundo caiu bem na nossa vez. Fomos forçados a aprender sozinhos a nos adaptar ao maior número de coisas e com mais velocidade do que qualquer outra geração. As mudanças anteriores sempre levavam muito tempo. As atuais não param. Mas fomos nós que aprendemos a ler em papel e, sem nenhuma outra formação além do ensino fundamental ou médio, aprendemos antes de qualquer um como conversar pelo ICQ. Não tinhamos formações adicionais ou experiência de vida para ajudar na transição. Muito menos nascemos com telas nas mãos.

O mundo pausou bem na nossa vez. Colonização, império, escravidão, indústria, guerras, fria, ditadura, fim da guerra fria, país quebrou, pausa. Paz mundial, direitos humanos, prosperidade econômica, liberdade de expressão, liberdade (e eu aqui felizão jogando Magic sem nem saber o que era multitasking). Boom da tecnologia. Terrorismo, crise nacional, internacional, crise política, crise pessoal, interpessoal, transcendental, estagnação, desemprego, diplomas em liquidação, toneladas de lixo no mercado de trabalho, empresas demitindo a granel, sobrecarga de informação, desinformação. Se vc não morreu e não se matou acredite, vc se adaptou.

O mundo pausou, caiu e reapareceu a milhão, dando voltas justamente em vc, em mim, nos deixando completamente sem ação, travados, tontos, ansiosos, descrentes no mundo, no ser humano, em tudo que nos ensinaram para toda a vida e que tivemos que jogar fora e reaprender em anos ou meses.

E bem ou mal aqui estamos.

Reaprendemos uma parte. Deixamos escapar alguns zilhões de terabytes, e dai? Agora o mundo é assim mesmo. E se alguém viu ele mudar fomos nós. Se alguém teve a oportunidade de pensar essa mudança fomos nós. E se tem alguém, por tudo aquilo que viveu, capaz de ter humildade para aceitar que não sabe nada e aprender com os verdadeiros primeiros habitantes nascidos nesse novo mundo somos nós. E também a coragem de largar velhos tabus em política, gênero, família, religião, etc. Não há mal em não ser o que nunca tivemos chance de ser. Mas agora a temos.

Quem nasceu para o jogo não precisa de nada disso. Mas quem, assim como eu, não nasceu e ainda está à deriva pode, talvez, achar por aqui algum sentido em começar a se mover.

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