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O Amante
- (entrando pela esquerda) “Quem sabe um dia tudo muda, e não iremos mais atrás. Quem sabe um dia tudo muda e buscaremos no outro a paz. Vai ver o amor vira certeza quando o medo perde a vez”...
- (sentado, quase imperceptível em um canto escuro à direita) Vai ver um bom tapa na cara te faz ver o que é que fez!
- Ta falando comigo?
- Que te que parece?
- Que és um louco!
- Pra sua sorte. Então me diga, de que covarde é o verso?
- Me respeite, homem!
- Tens medo da verdade?
- Tens amor pela vida?
- Te devolvo a pergunta.
- Fale de uma vez! O que queres?
- Eu nada. Fale de uma vez o que queres.
- E de que adianta? Vai dizer agora que tenho três desejos?
- Nem que tivesse.
- (desconcertado) Desculpe. Não estou nos meus melhores dias.
- Vá em frente.
- É uma mulher...
- Me poupe do que eu já sei.
- (tímido) Está na cara, não é?
- Em alto relevo.
- Depois do meu último romance, decidi que nunca mais procuraria um alguém pra apaixonar-me outra vez. Decidi que viveria minha vida até que nela aparecesse uma moça singular. Alguém que tudo me causasse, simultânea e intensamente, com o mais simples olhar.
- E agora vai fugir?
- Como sabe que encontrei?
- “Vai ver o amor vira certeza quando o medo perde a vez”. Qual é o teu problema? Até pra mim já é certeza. Alto relevo, lembra?
- Bem... não achei que pudesse realmente acontecer. Não esperava algo assim por pelo menos uma vida. E de repente me aparece bem de baixo do nariz.
- Tome-a!
- (riso desanimado) “Serei do rio um afluente, do vulcão pequeno estouro, da montanha vento uivante, da amada o amante. Cada dia diferente, do fenômeno sou fonte, que alimenta, amplifica, acaricia e contém”. Não sou mais que um dia é para um ano. Tão indispensável quanto insignificante.
- Se contenta em ser tão pouco?
- Antes pouco do que nada.
- E se contenta?
- Tenho escolha?
- Um dia não pode ser ano.
- (sarcástico) Tenho que anotar isso.
- Mas pode ser um feriado.
- E se quiser ser ano?
- Vai se estrepar.
- (pensativo) Não é tão louco assim.
- Faço meu melhor.
- Por que seria feriado, então?
- Pra se destacar dos outros.
- Ainda assim seria dia.
- Se fosse ano, um espelho resolvia.
- Tens razão. Está me deixando tonto. Que devo fazer então?
- Perguntas a um louco?
- E o que me resta quando todos os outros estão sãos?
- (pensando por um momento) É ela quem você quer?
- Mais do que tudo.
- É por ela que você escreve?
- E respiro.
- É ela que te faz dizer essas coisas idiotas?
- Tanto assim?
- Mais que isso.
- (derrotado) É, é ela.
- Então não preciso responder.
- Como assim? Eu te disse tudo!
- Se disse tudo o que sabe, sabe tanto quanto eu.
- Mas eu não sou louco!
- Faça um esforço.
- Covarde!
- Louco.(pausa)
- E se a tomo como dizes?
- Um dia ela se cansa.
- E como fico eu?
- Só
- (sarcástico) Fascinante
- Mas quando tudo acabar poderá dizer que foi alguma coisa.
- E se não acabar?
- (tomando as anotações do covarde e lendo-as) “...nessa história o fim se segue de sentido, de significado, e, a partir daí, cada nova ação, cada nova intenção, ganha originalidade única, toma formas inéditas, e os atores não se cansam, não se largam, estão em paz”.
- Me parece tão irreal, a narração.
- Ainda assim a escreveu.
- (vago) Tenho esperanças.
- E medo.
- Não sei se serei capaz de viver só depois de ter experimentado viver um sonho.
- Um sonho é o que está vivendo agora.
- E se a tomo?
- Será real.
- E se ela se cansa?
- Terá sido real.
- E se for amante?
- Vive um sonho.
- E se for o que quero?
- Não é.
- Como pode saber?
- (de memória) “Vai ver o amor vira certeza quando o medo perde a vez”.
- O que tem isso?
- Não vê que já tens a certeza? E que a esconde atrás do medo?
- Isso foi direto.
- Sou covarde.
- E está certo. Estou vivendo uma vida à espera do destino.
- E esperando ele não chega.
- Não.
- E então?
- Farei o amor virar certeza. Renunciarei ao controle da minha vida. Isso deve ficar nas mãos de quem há muito já a tem, ainda que eu não quisesse ver.
- E vai se submeter às consequências de ações que não poderá controlar?(pausa)
- Sou louco.
Personagens:
O Covarde
O Louco
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