segunda-feira, 10 de maio de 2010

Faz frio em São Paulo. Vou beber, fumar e cantar. Até que o vizinho reclame do barulho no 908.




Faz frio em São Paulo. A cidade acontece em camera lenta. Os batimentos cardíacos duram minutos. O sangue não da conta. O corpo está frio. Mais frio. A ponto de os faróis dos carros aquecerem a pequena São Paulo. E ainda faz frio.
Os olhares se demoram mais do que de costume nos olhos dos outros. Minha expressão já não me incomoda - pensem o que quiserem.

- Dois e setenta.

A passagem está cara.
O mundo lá fora se demora, os faróis se misturam. Chego em minha parada. A loja 24h do posto me chama atençao. Eu havia prometido a mim mesmo não gastar mais dinheiro para deixar álcool estocado, temporariamente, em casa.

- Quarenta e quatro e setenta.

Quase interferi no valor final mas lembrei que já tinha cigarro no bolso de uma jaqueta em casa. Não fumava já há um bom tempo. Tudo era muito lento. Mas ainda assim, não senti que levei mais de meio segundo para chegar em casa.
Está gelado. Minha cabeça nega qualquer som que tente penetrar. Se entra alguma imagem, passa direto para o esquecimento. O mundo todo passa diante de mim. Estou em suspensão.

Tudo o que tem alguma relação com profundidade é automaticamente bloqueado. Doce engano de um jovem poeta. Sempre escrevendo sobre o amor. Sempre tentando decifrá-lo, sempre. Para isso basta que esteja à margem. É só mergulhar para que o mais gélido inverno faça-o lembrar. O amor não é para ele. O amor é para quem não pensa sobre isso. Quem pensa acaba chegando à trágica conclusão de que a melhor parte deste é a sua idealização. Quando ele acontece, tudo cai por terra.
E quanto à profundidade? Ha-ha... ninguém mais quer esse lixo. Liberdade, independência e auto suficiência estão na ordem do dia. Idiotas somos nós, que vivemos buscando no futuro um tipo de relação que só existe no passado sendo, portando, utópica. A relação de hoje dispensa a relação. Basta o momento.

- Meia noite.

Bruce é o único que consegue manter uma relação, qualquer que seja ela, por mais de alguns momentos. Ele não existe. É fruto da minha imaginação. E isso o torna tão real quanto os que, sem existir, vagam por ai.

- Um cigarro.

Ele não disse isso, mas é o que vejo vindo da boca de um morador de um apartamento próximo. Vejo sua silhueta de longe, jogando um filtro em brasa pela janela, fazendo um convite para a fria noite que vem. Uma cerveja.

November Rain - Guns N'Roses

3 comentários:

  1. Faz frio em São Paulo e todos os planos para a noite mudam. O quarto? Continua meio-a-meio. O telefone toca e as vozes vão longe até quase 3 da manhã. O quarto? Continua meio-a-meio. No mundo virtual um grito de socorro prontamente atendido por alguns 20 minutos. O quarto? Continua meio-a-meio. O quarto cigarro acende e o pensamento de diminuir o fumo some com as noites quentes. E o quarto? Vc me pergunta. O quarto? Continua meio-a-meio. Essa noite é do maço, do isqueiro e do cobertor. O quarto que aguarde a boa vontade de uma noite quente e mais animada.

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  2. O frio até faz surgir mais recados do que de costume, pois as mãos que tremem tendem a fazer surgir teclas que não deveriam. O perfeccionismo ainda ruge na mente que arruma as palavras até soarem corretas.

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  3. Palavras que soam corretas. E ainda assim tão ambíguas. Fico pensando até que ponto as idéias se organizam neste espaço e até que ponto elas se organizam para este espaço. O espaço que fica em aberto, que não tem um complemento aparentemente possível. Fico de certo modo feliz por saber que minhas inquietações afetaram. A vida atravessou dois quartos. Ah se ela tivesse um banco de passageiros... que? Meu quarto? Continua meio-a-meio.

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