sexta-feira, 16 de março de 2018

adulto com A de Adulto


                Eu olhava os adultos de baixo pra cima e aquilo me era incompreensível. Eram pessoas que mandavam nos outros, controlavam as próprias vidas e mandavam em si. Eles sabiam o que fazer a cada hora, em toda situação e como fazer e o que usar. Tinham sempre as respostas, conheciam todas as palavras, entendiam todas as piadas, sabiam usar e controlar todas as coisas da forma correta. Exceto, talvez, o controle remoto, que naquele tempo era o mais próximo do nosso smart phone. Suas coisas eram arrumadas, eles tinham o que precisavam e, se não tinham, sabiam sempre onde encontrar e compravam nem antes nem depois, mas no momento exato em que o artigo se fazia necessário. Eles, os adultos, eram a base sólida, o alicerce, o casco do navio, o chão, a certeza.

                Enquanto eu, criança, adolescente, jovem, adultescente, adulto, era sempre uma folha ao vento. Parecia que não chegava nunca aquela mutação na qual um casulo transformaria o meu adulto no adulto deles. Pelo contrário, parecia é que a mutação do adulto deles estava sendo revertida, transformando-os pouco a pouco em toda a incerteza, inconstância e insegurança do meu adulto falho, que chegou à idade para tal mas que, aparentemente, não desenvolveu nem um milésimo dos requisitos necessários.

                O adulto morreu. Não havia mais tal figura. Existiam pessoas e anos. Existem pessoas e anos. E os anos passam pelas pessoas, que em vão os tentam acompanhar. As pessoas ficamos presos a um único eu que é outro a cada segundo e, precisamente por isso, nunca mudam. São um constante estado de transição desordenada e caótica que, por maior que seja o esforço e o talento, no máximo tangenciam aleatoriamente e por todos os lados o rumo que procuramos dar aos nossos dias.

                O programa do Jô se mostrou finito, a Derci mortal, os Estados Unidos atingíveis, a Europa abalável, a democracia contestável e a moral precificável, enquanto a adultez por sua vez seguia vertiginosamente na contramão, mostrando-se talvez a única de fato inalcançável.

                Caíram portos seguros, referências e ídolos, transformando o mundo todo em um enorme buraco negro assustadoramente imbatível e inescapável dentro do qual deveríamos triunfar ou morrer tentando. Vimo-nos obrigados a interpretar segurança, exalar certeza, engolir conhecimento, emular felicidade, incorporar tabus, castigar fraqueza, reprimir sentimentos e sepultar utopias de forma que todos à nossa volta não vejam outra coisa em nós senão adultos inteiramente metamorfoseados com êxito.

                Todos, exceto nós mesmos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário