quinta-feira, 15 de março de 2018

O Gringo que Enxugava as Mãos



Duas e dez da manhã. O asfalto está molhado pela chuva que parou há pouco. Faz frio. São Paulo dorme.

Apresso o passo para sair logo da rua deserta. Depois da esquina me vejo em frente ao meu destino, um café 24h. Tiro o casaco, faço meu pedido no balcão e subo os degraus. Escolho para me sentar um sofá num canto oposto à escada, no fundo do salão, de onde vejo todo o movimento, das escadas ao corredor do toilette. Abro meu livro e começo a fazer anotações.

- Seu café, senhor.

Como de costume, estendo minha leitura noite a fora. O lugar se esvazia ao longo da próxima hora, restando apenas dois universitários debruçados sobre alguns livros grossos, falando baixo entre sí na língua dos números. De tempos em tempos a garçonete sobe trazendo pedidos e levando bandejas.

Lá pelo terceiro ou quarto café a chuva volta a cair, o que torna ainda mais envolvente aquele ambiente quente e aconchegante. Quase que simultaneamente à chuva ouço risos altos de um grupo de homens vindo do andar de baixo. O som vai aumentando e percebo que falam em inglês. Pouco tempo depois, quatro homens jovens e de pele muito clara emergem do vão das escadas momentos antes da garçonete, que traz mais dois cafés aos estudantes da outra mesa.

Os gringos se demoram em volta de uma mesa bem em frente ao corredor dos toilettes, bloqueando parcialmente minha visão. Eles não parecem ter dado muita atenção à minha figura monótona no outro canto, com um livro na mão.

- Ai meu Deus! Me desculpe!

- Não tem problema, não caiu em mim - disse um dos estudantes vendo seu café escorrendo da mesa para o sofá em que estava sentado um segundo atrás. Reflexos rápidos.

Ele trocou de lugar enquanto a garçonete colocava um pano no sofá molhado. Dois gringos haviam ido ao toilette. Um já voltara ao grupo, ainda em pé perto da mesa, enquanto o outro lavava as mãos na pia que se projetava para dentro de uma das paredes do corredor.

A garçonete se juntou ao último para lavar o pano sujo de café. Os outros três continuavam rindo em uma conversa mais baixa, e estranhamente pareciam cada vez mais próximos à entrada do corredor. Pouco se via - e ouvia - da garçonete e do gringo que agora enxugava as mãos. Os três aumentaram um pouco o som da conversa, não pareciam mais notar a presença dos outros dois atrás deles. Por entre os três corpos, agora quase grudados, era possível vislumbrar movimentos bruscos e rápidos e algumas pausas, até que não era mais possível entender a que corpo cada membro pertencia. Tudo o que se ouvia era alguns risos e trechos de frases soltas em meio a um murmúrio incessante, nada que levantasse alguma suspeita em olhos desatentos, visto que os três mantinham a mesma conversa empolgante de antes. Estavam todos tão próximos que mal se distinguia quem emitia cada som.

Passaram-se cerca de cinco minutos quando o gringo que enxugava as mãos quebrou a unidade espacial dos três colegas. Instantaneamente os risos aumentaram e a conversa acelerou enquanto os quatro dispersavam em grupo para o andar de baixo.

Os risos foram ficando distantes. Cessaram.

Os estudantes continuavam absortos em seus cálculos. Eu os invejava por isso. Não viam nada à sua volta quando distraídos com suas atividades.

A garçonete saiu do pequeno espaço onde a pia se projetava para dentro da parede do corredor, agora visível. Ela foi em direção à escada, rindo com uma expressão divertida e incrédula, onde encontrou os olhos de um outro funcionário - com uma expressão divertida, curiosa e com um leve traço de incredulidade também - cuja presença eu ignorava até o momento. Desceram cochichando.

Aqueles estudantes nunca vão saber da garçonete e do gringo que enxugava as mãos. Não viam nada à sua volta.

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